segunda-feira, 29 de dezembro de 2008

BARBARA





















_Você não é a primeira moradora a reclamar da casa _disse a velha arrumadeira com seus olhos de pálpebras cansadas. _Desde a morte de Elizabeth, em 1931, que todos os que se aventruram a morar nela tiveram de se defrontar com Barbara.
_Barbara?!... _surpreendeu-se Helen.
_Sim. Este é o nome da menina que você tem visto e não me surpreende que esteja perturbada.
_Quem é, ou quem foi esta menina?
_Barbara apareceu naquela casa pela primeira vez em 1884, junto com Eleanor, sua mãe. Eleonor fora prostituta e o senhor Morgan, meu ex-patrão, tivera um caso amoroso com ela durante vários anos, segundo a própria Eleanor contava, desde 1875. Barbara nasceu um ano depois e ele a registrou em seu nome, embora ninguém tenha sabido disso antes daquele Natal.
_Natal?
_Sim, foi na véspera de Natal que Eleanor apareceu na casa, debaixo de um nevoeiro, trazendo a pequena Bárbara pela mão. Joseph veio me avisar que havia uma mulher querendo falar com o patrão. Todos nós notamos a surpresa nos olhos dele quando ele a viu com a menina. Dona Isabel ficou muito chocada, não dava nem para ele disfarçar a situação, estava tudo muito claro.
_Eles eram casados há muito tempo?
_Desde 1871, o que deixa claro que ele era um adúltero. Eleanor não era nenhum caso anterior ao casamento.
_E o que ele fez naquele momento?
_Ele conversou com Eleanor á sós. Ela estava passando por necessidades. Ela saiu dali com a menina uma hora depois, tempo suficiente para deflagrar uma guerra. Dona Isabel fez um grande escândalo e chegou mesmo a chamar o Sr. Morgan de coisas que não devo repetir.
_O que aconteceu a parti daí?
_Eleanor e Barbara apareciam esporadicamente, para pedir ajuda financeira. Toda vez que isso acontecia, a casa praticamente se incendiava.
_Até quando esta situação durou?
_Até dona Isabel tomar veneno em 1887. Foi um choque para todos, sobretudo para os filhos. Elizabeth foi quem ficou mais revoltada. Ela odiava Eleanor e, principalmente, Barbara.
_Meu Deus!...
_Mas as coisas ficaram muito piores. Um ano depois, o Sr. Morgan casou-se formalmente com Eleanor e a levou para morar com ele.
_Então você chegou a conviver com Eleanor!...
_Sim. Ela era uma pessoa muito doce e frágil. Já estava doente quando chegou na casa, ela tivera complicações no parto de Barbara que não foram bem tratadas, estava com câncer uterino.
_Oh, Deus!...
_Eleanor ainda conseguia conter um pouco o espírito mal de Barbara, mas sua influência acabou em dezembro de 1888, quando ela morreu. Barbara sempre foi uma criatura de espírito ruim. Era má, ordinária e mentirosa.
_Influência do abandono do pai...
_Não. Ele a visitava várias por ano, desde que nascera. Ele sempre inventava uma viagem para Manchester, onde Eleanor vivia. Foi própria Eleanor quem revelou para mim o verdadeiro motivo de suas viagens de negócios. Barbara era muito apegada a ele. Ao meu ver sordidamente apegada, seu carinho era incestuoso.
_Oh!...
_Barbara era linda, como sua mãe, mas não tinha a bondade dessa, ao contrário. Eleanor parecia mesmo um anjo com aqueles cabelos loiros ondulados, seu tipo elegante e seus grande e meigos olhos azuis. Barbara parecia muito com ela, mas numa versão ruiva e má. Quando alcançou 12 anos, tornou-se uma víbora sedutora. Tinha um corpo voluptuoso e costumava andar com camisolas tranparentes pela casa.
_E vocês permitíam isso?!...
_Ninguém permitia nada, Barbara fazia de provocação. Quanto mais você brigava ou se opunha, mais ela provocava. Fazia pior, era capaz de aparecer nua em sua frente.
_Meu Deus!... Lembro de tê-la visto nua uma vez...
_Não se surpreenda com isso, Barbara é capaz de tudo. Ela foi pega várias vezes com os empregados. O coxeiro, o jardineiro e até mesmo com Albert, filho mais velho de Sr. Morgan. Ela os seduzia e os conduzia como se os hipnotizasse.
_O Sr. Morgan não tomava providências?!...
_Não adiantava ele relhar ou bater nela, isso a estimulava a fazer pior. Ela colocava ao meio caminho dos homens, semi-nua, às vezes mesmo completamente nua.
_Oh!...
_Elizabeth brigava demais com ela, várias vezes as apartei, pois podíam matar-se. O que aliás, acabou acontecendo...
_Como assim?...
_Barbara morreu em uma briga com Elizabeth. Elas se engalfinharam no corredor e Elizabeth a empurrou escada abaixo. Ainda tive o horror de ver Barbara caída, de olhos abertos e o pescoço torcido para o lado, como uma boneca quebrada. Isso aconteceu nos últimos dias de novembro de 1890.
_Então foi desta forma que ela morreu!
_Sim e nos deixou em paz por um ano. Até que resolveu reaparecer por volta do Natal de 1891. ouvimos uma gargalhada e o baraulho de um castiçal caíndo. Fomos eu, Loraine, filha mais nova de Sr. Morgan e Juliet, a copeira ver o que era aquilo. O pior é que reconhecemos a risada de Barbara, na hora! Nos surpreendemos ao ver a porta do quarto dela escancarada, pois o senhor Morgan o havia trancado e ficado com a chave depoisque ela morreu. A encontramos sentada na janela, estava de pernas abertas, com o vestido com que havia sido enterrada cobrindo-lhe as partes íntimas, os seios à mostra. Ela já apresentava a feição pálida e o sorriso malévolo que eu sei que você já viu.
_Meu Deus... Nem me recorde...
_Gritei para ela: Vá embora! Vá embora! e Ela desapareceu diante de nossos olhos.
_Ai... isso me arrepia...
_Ela adorava aparecer de surpresa. Sempre semi-nua, ou nua. Fiquei horrorizada quando ela apareceu em meio a uma recepção que o Sr. Morgan fizera a um sócio e sua família. As meninas e até a esposa de Sr. Wood, gritaram quando a viram, pálida e licenciosa, nadando nua na pequena piscina do chafariz.
_Eu já a vi banhando-se lá.
_Ela costumava fazer isso quando estava viva.
_Ela aparecia sempre?
_Pelos menos uma vez por dia. Aturamos sua presença malévola até 1900, quando Sr. Morgan adoeceu. Ele tornou-se alcoólatra depois da morte de Eleanor. Veio falacer em 1907, de cirrose. Ele simplesmente desistiu de viver. De 1900 a 1907, só vi Barbara duas vezes. Numa delas, ela chorava no corredor. Na outra pouco antes de o senhor Morgan morrer, ele estava empoleirada sobre a cabeceira da cama dele, olhando-o com um rosto triste, mas horrível, enquanto ele agonivaza. No dia em que ele morreu, ouvimos um grito horrível e todas as portas e janelas da cas bateram ao mesmo tempo.
_Aaaahhh!... perdão...
_Não tem do que se desculpar, eu também gritei. A partir daí, só Elizabeth permaneceu na casa, Albert e Loraine haviam casado. Eu fiquei com Elizabeth e vi o início de sua loucura, só ela passou a ver Barbara a partir daí. Ela ainda casou-se com o Sr. Curtis, mas o casamento acabou quando ele foi para o front na Pirmiera Guerra.
_Ele morreu?
_Não, a guerra acabou e ele mandou uma carta para ela dizendo que a estava abandonando. Li um trecho da carta, ele a chamava de louca e disse que achou melhor passar quatro anos no front do que ao lado dela.
_Meu Deus!...
_Como ela não podia mais me pagar, eu saí da casa. Ela ainda morou alí até 1921, quando foi internada. A casa foi fechada e ninguém morou nela até ela morrer em 1931. foi quando a puseram á venda pela prmeira vez.
_Quem a comprou?
_Um banqueiro, que deu um tiro na cabeça três meses depois. Não me pergunte porque ele fez isso, nós sabemos porque foi.
_...
_Muitas pessoas moraram na casa até 1939. Todas saíam alegando ter visto a menina diabólica, ou prostituta do inferno como passaram a chamar Barbara. Durante a guerra a casa ficou abandonada e não sei como não foi atiginda pelas bombas alemães.
_Que coisa...
_Ela voltou a ser habitada a partir de 1948, mas novamente as queixas recomeçaram. Houve mais dois suicídios lá dentro e um assassinato.
_Meu Deus!
_Sim, um marido enlouquecido por Barbara matou sua esposa.
_Oh!
_Muitas criadas que passaram por lá disseram ficar perturbadas com as aparições dela. Uma das pessoas que se suicidaram na casa foi uma criada. Segundo contam suas ex-colegas, ela fora seduzida por Barbara e não mais escondia seu desejo por ela. Atirou-se de uma sacada.
_...
_A última pessoa que habitou a casa, saiu de lá em 1955, trinta anos antes de você ir para lá.
_Sim, eu sei disso.
_Esta casa ficou desabitada por trinta anos, com Barbara imperando lá dentro. Quer um conselho, saia de lá! Não sei como tem agüentado três anos. Acho que é porque não tem filhos. Saia de lá, antes que ela faça algo contra você.
_Meu marido não quer sair, disse que estou vendo coisas, até comecei a ir em um psicólogo.
_Saia de lá! Ou quer continuar a vê-la em seu espelho?
_Como sabe que ela apareceu no reflexo do espelho?
_Acha que não conheço as artimanhas de Barbara? Saia de lá, senhorita Helen, antes que ela resolva matá-la.
_Matar-me!
_Sim. Uma vez, em 1893, ela tentou me estrangular enquanto eu dormia. Senti suas mão geladas sobre meu pescoço. Quase morri sufocada, mas consegui gritar e Sr. Morgan veio em meu socorro. Acredite menina, se Barbara não lhe seduz, ela lhe mata. Saia de lá o quanto antes!


Marcelo Farias - Estórias de Vovô Celestino. Ilustração: Amor e Dor - Edvard Munch

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