quarta-feira, 31 de dezembro de 2008

MÍSEROS 500



























Salete observou a mulher loira e alta, trajando um casaco vermelho sentar diante dela, se apresentando como Tuquinha Vasconcellos. Estendeu-lhe a mão branca de dedos cheios de anéis muito brilhantes.

- Prazer...Salete - se apresentou, retribuindo ao gélido aperto de mão.

- Bem, Celeste... você tem experiência como doméstica?

- Tenho, sim senhora...

- Senhora está no céu, hein? Quantos anos acha que eu tenho?

- Não sei, não senhora...

- Já mandei não me chamar de senhora! Vamos, diga minha idade!

- É... bem... acho que uns quarenta e cinco...

- Que horror!!! eu ainda nem fiz quarenta! Pareço tão acabada assim? quantos anos você tem? 20?

- Vinte e dois, senhora.

- Afe... vamos mudar de assunto. Você sabe cozinhar, lavar, passar?

- Sim, faço isso desde os nove anos.

- Possui referências? Isso é muito importante, Celeste.

- Sim, senhora. Aqui está a carta assinada pela minha ex-patroa. Saí do emprego porque o marido deixou dela e aí a coitadinha não teve condições de continuar me pagando.

- Ora, ora... chegamos aonde eu queria... Por que o marido dela a abandonou?

- Acho que arrumou outra mulher na rua, não sei bem.

- Sabe, Celeste... eu tenho uma teoria de que... se o homem estiver satisfeito com o que tem dentro de casa, não vai procurar fora. Concorda?

- Dizem que sim, Dona Tuquinha.

- Pois então... estou disposta a oferecer uma quantia razoável "por fora" para que você satisfaça meu marido alguns dias na semana. O que você acha?

- Eu não sou dessas, Dona.

- Ora... menina. Deixa de ser boba. Olha, é 500 reais a mais, hein?

- 500?

- Sim. E ele já tem uma certa idade, não vai te procurar toda hora.

- Não sei... mas por que a senhora quer atirar seu marido nos braços de outra? Eu, hein! rico tem cada uma...

- Afe... você não é "OUTRA", se enxerga! Você uma serviçal. Meu marido nunca abandonaria o lar por causa de uma serviçal. Menina, você precisa alcançar o meu nivel de raciocínio.

- Está bem, eu aceito, Dona Tuquinha. Pelos 500.

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Em menos de um ano, Salete e o ex-patrão (agora noivo) curtiam férias nas Bahamas. sempre ria com desdém, quando lembrava dos míseros 500.



Ükma. Ilustração: Mário Alberto.

segunda-feira, 29 de dezembro de 2008

BARBARA





















_Você não é a primeira moradora a reclamar da casa _disse a velha arrumadeira com seus olhos de pálpebras cansadas. _Desde a morte de Elizabeth, em 1931, que todos os que se aventruram a morar nela tiveram de se defrontar com Barbara.
_Barbara?!... _surpreendeu-se Helen.
_Sim. Este é o nome da menina que você tem visto e não me surpreende que esteja perturbada.
_Quem é, ou quem foi esta menina?
_Barbara apareceu naquela casa pela primeira vez em 1884, junto com Eleanor, sua mãe. Eleonor fora prostituta e o senhor Morgan, meu ex-patrão, tivera um caso amoroso com ela durante vários anos, segundo a própria Eleanor contava, desde 1875. Barbara nasceu um ano depois e ele a registrou em seu nome, embora ninguém tenha sabido disso antes daquele Natal.
_Natal?
_Sim, foi na véspera de Natal que Eleanor apareceu na casa, debaixo de um nevoeiro, trazendo a pequena Bárbara pela mão. Joseph veio me avisar que havia uma mulher querendo falar com o patrão. Todos nós notamos a surpresa nos olhos dele quando ele a viu com a menina. Dona Isabel ficou muito chocada, não dava nem para ele disfarçar a situação, estava tudo muito claro.
_Eles eram casados há muito tempo?
_Desde 1871, o que deixa claro que ele era um adúltero. Eleanor não era nenhum caso anterior ao casamento.
_E o que ele fez naquele momento?
_Ele conversou com Eleanor á sós. Ela estava passando por necessidades. Ela saiu dali com a menina uma hora depois, tempo suficiente para deflagrar uma guerra. Dona Isabel fez um grande escândalo e chegou mesmo a chamar o Sr. Morgan de coisas que não devo repetir.
_O que aconteceu a parti daí?
_Eleanor e Barbara apareciam esporadicamente, para pedir ajuda financeira. Toda vez que isso acontecia, a casa praticamente se incendiava.
_Até quando esta situação durou?
_Até dona Isabel tomar veneno em 1887. Foi um choque para todos, sobretudo para os filhos. Elizabeth foi quem ficou mais revoltada. Ela odiava Eleanor e, principalmente, Barbara.
_Meu Deus!...
_Mas as coisas ficaram muito piores. Um ano depois, o Sr. Morgan casou-se formalmente com Eleanor e a levou para morar com ele.
_Então você chegou a conviver com Eleanor!...
_Sim. Ela era uma pessoa muito doce e frágil. Já estava doente quando chegou na casa, ela tivera complicações no parto de Barbara que não foram bem tratadas, estava com câncer uterino.
_Oh, Deus!...
_Eleanor ainda conseguia conter um pouco o espírito mal de Barbara, mas sua influência acabou em dezembro de 1888, quando ela morreu. Barbara sempre foi uma criatura de espírito ruim. Era má, ordinária e mentirosa.
_Influência do abandono do pai...
_Não. Ele a visitava várias por ano, desde que nascera. Ele sempre inventava uma viagem para Manchester, onde Eleanor vivia. Foi própria Eleanor quem revelou para mim o verdadeiro motivo de suas viagens de negócios. Barbara era muito apegada a ele. Ao meu ver sordidamente apegada, seu carinho era incestuoso.
_Oh!...
_Barbara era linda, como sua mãe, mas não tinha a bondade dessa, ao contrário. Eleanor parecia mesmo um anjo com aqueles cabelos loiros ondulados, seu tipo elegante e seus grande e meigos olhos azuis. Barbara parecia muito com ela, mas numa versão ruiva e má. Quando alcançou 12 anos, tornou-se uma víbora sedutora. Tinha um corpo voluptuoso e costumava andar com camisolas tranparentes pela casa.
_E vocês permitíam isso?!...
_Ninguém permitia nada, Barbara fazia de provocação. Quanto mais você brigava ou se opunha, mais ela provocava. Fazia pior, era capaz de aparecer nua em sua frente.
_Meu Deus!... Lembro de tê-la visto nua uma vez...
_Não se surpreenda com isso, Barbara é capaz de tudo. Ela foi pega várias vezes com os empregados. O coxeiro, o jardineiro e até mesmo com Albert, filho mais velho de Sr. Morgan. Ela os seduzia e os conduzia como se os hipnotizasse.
_O Sr. Morgan não tomava providências?!...
_Não adiantava ele relhar ou bater nela, isso a estimulava a fazer pior. Ela colocava ao meio caminho dos homens, semi-nua, às vezes mesmo completamente nua.
_Oh!...
_Elizabeth brigava demais com ela, várias vezes as apartei, pois podíam matar-se. O que aliás, acabou acontecendo...
_Como assim?...
_Barbara morreu em uma briga com Elizabeth. Elas se engalfinharam no corredor e Elizabeth a empurrou escada abaixo. Ainda tive o horror de ver Barbara caída, de olhos abertos e o pescoço torcido para o lado, como uma boneca quebrada. Isso aconteceu nos últimos dias de novembro de 1890.
_Então foi desta forma que ela morreu!
_Sim e nos deixou em paz por um ano. Até que resolveu reaparecer por volta do Natal de 1891. ouvimos uma gargalhada e o baraulho de um castiçal caíndo. Fomos eu, Loraine, filha mais nova de Sr. Morgan e Juliet, a copeira ver o que era aquilo. O pior é que reconhecemos a risada de Barbara, na hora! Nos surpreendemos ao ver a porta do quarto dela escancarada, pois o senhor Morgan o havia trancado e ficado com a chave depoisque ela morreu. A encontramos sentada na janela, estava de pernas abertas, com o vestido com que havia sido enterrada cobrindo-lhe as partes íntimas, os seios à mostra. Ela já apresentava a feição pálida e o sorriso malévolo que eu sei que você já viu.
_Meu Deus... Nem me recorde...
_Gritei para ela: Vá embora! Vá embora! e Ela desapareceu diante de nossos olhos.
_Ai... isso me arrepia...
_Ela adorava aparecer de surpresa. Sempre semi-nua, ou nua. Fiquei horrorizada quando ela apareceu em meio a uma recepção que o Sr. Morgan fizera a um sócio e sua família. As meninas e até a esposa de Sr. Wood, gritaram quando a viram, pálida e licenciosa, nadando nua na pequena piscina do chafariz.
_Eu já a vi banhando-se lá.
_Ela costumava fazer isso quando estava viva.
_Ela aparecia sempre?
_Pelos menos uma vez por dia. Aturamos sua presença malévola até 1900, quando Sr. Morgan adoeceu. Ele tornou-se alcoólatra depois da morte de Eleanor. Veio falacer em 1907, de cirrose. Ele simplesmente desistiu de viver. De 1900 a 1907, só vi Barbara duas vezes. Numa delas, ela chorava no corredor. Na outra pouco antes de o senhor Morgan morrer, ele estava empoleirada sobre a cabeceira da cama dele, olhando-o com um rosto triste, mas horrível, enquanto ele agonivaza. No dia em que ele morreu, ouvimos um grito horrível e todas as portas e janelas da cas bateram ao mesmo tempo.
_Aaaahhh!... perdão...
_Não tem do que se desculpar, eu também gritei. A partir daí, só Elizabeth permaneceu na casa, Albert e Loraine haviam casado. Eu fiquei com Elizabeth e vi o início de sua loucura, só ela passou a ver Barbara a partir daí. Ela ainda casou-se com o Sr. Curtis, mas o casamento acabou quando ele foi para o front na Pirmiera Guerra.
_Ele morreu?
_Não, a guerra acabou e ele mandou uma carta para ela dizendo que a estava abandonando. Li um trecho da carta, ele a chamava de louca e disse que achou melhor passar quatro anos no front do que ao lado dela.
_Meu Deus!...
_Como ela não podia mais me pagar, eu saí da casa. Ela ainda morou alí até 1921, quando foi internada. A casa foi fechada e ninguém morou nela até ela morrer em 1931. foi quando a puseram á venda pela prmeira vez.
_Quem a comprou?
_Um banqueiro, que deu um tiro na cabeça três meses depois. Não me pergunte porque ele fez isso, nós sabemos porque foi.
_...
_Muitas pessoas moraram na casa até 1939. Todas saíam alegando ter visto a menina diabólica, ou prostituta do inferno como passaram a chamar Barbara. Durante a guerra a casa ficou abandonada e não sei como não foi atiginda pelas bombas alemães.
_Que coisa...
_Ela voltou a ser habitada a partir de 1948, mas novamente as queixas recomeçaram. Houve mais dois suicídios lá dentro e um assassinato.
_Meu Deus!
_Sim, um marido enlouquecido por Barbara matou sua esposa.
_Oh!
_Muitas criadas que passaram por lá disseram ficar perturbadas com as aparições dela. Uma das pessoas que se suicidaram na casa foi uma criada. Segundo contam suas ex-colegas, ela fora seduzida por Barbara e não mais escondia seu desejo por ela. Atirou-se de uma sacada.
_...
_A última pessoa que habitou a casa, saiu de lá em 1955, trinta anos antes de você ir para lá.
_Sim, eu sei disso.
_Esta casa ficou desabitada por trinta anos, com Barbara imperando lá dentro. Quer um conselho, saia de lá! Não sei como tem agüentado três anos. Acho que é porque não tem filhos. Saia de lá, antes que ela faça algo contra você.
_Meu marido não quer sair, disse que estou vendo coisas, até comecei a ir em um psicólogo.
_Saia de lá! Ou quer continuar a vê-la em seu espelho?
_Como sabe que ela apareceu no reflexo do espelho?
_Acha que não conheço as artimanhas de Barbara? Saia de lá, senhorita Helen, antes que ela resolva matá-la.
_Matar-me!
_Sim. Uma vez, em 1893, ela tentou me estrangular enquanto eu dormia. Senti suas mão geladas sobre meu pescoço. Quase morri sufocada, mas consegui gritar e Sr. Morgan veio em meu socorro. Acredite menina, se Barbara não lhe seduz, ela lhe mata. Saia de lá o quanto antes!


Marcelo Farias - Estórias de Vovô Celestino. Ilustração: Amor e Dor - Edvard Munch

domingo, 21 de dezembro de 2008

DEZEMBRINO






















Dezembrino, faz tempo, vinha rolando aquela idéia feito porronca. Desempregado que era, tinha tempo de andar por aí. Em casa, Saturnia espera puta da vida. Puta mesmo, sugestão do Dezembrino: “como conseguir uns trocos?” na vida, ora porra! No começo não, mas agora, Saturnia até sentia um certo prazer. O que obrigava o marido a sair de casa. Não dava para ficar atrás da cortina e fingir que não ouvia. Era o primeiro chegar e ele abria de casa. E Saturnia, no dia-a-dia, no vamo que vamo, começou a sugerir, exigir, impor coisas que mulher certa não faz. Era um negócio de beijar, pedir mais e até ficar por cima.
Hoje é o dia do Rogério da Balsa. O cliente mais abonado e, coincidentemente o ultimo patrão de Dezembrino. O da Balsa vinha toda quinta as cinco da manhã, e antes de começar o vai-e-vem do Rio Negro, fazia um vai-e-vem na mulher do Dezembrino. Hoje é o dia do Rogério da Balsa.
Dezembrino não podia mais enrolar aquela idéia. Hoje tira o pé da merda ou se lasca de vez. Era só abordar o macho na hora e pegar a grana. Escondeu-se debaixo do barraco e esperou. O da Balsa chegou batendo os pés para limpar as botas. O barro caindo na cabeça do Dezembrino.
Entre Rogério e Saturnia, nem bom dia. Direto pra cama coisas e fazer barulho. O homem debaixo da casa esperando. “Vixe, que é agora!” Sorrateiramente, pega a peixeira e vai pro quarto. O lençol sobe e desce no compasso do coração ferido do Dezembrino. Mira na nuca e enterra firme: “Uh!!” levanta o lençol e o Rogério o encara. Saturnia se debate aperriada e o sangue esguicha.
– Porra, mulher!! Não falei que esse negócio de mulher por cima é coisa de vagabunda, porra!!”


Artur Farrapo.

quinta-feira, 11 de dezembro de 2008

A CASA DO VELHO


























Que nojo eu sentia daquele velho purulento das cabeças-de-cogumelo brotando das axilas. Que nojo eu sentia daquele velho do saco vermelho sujo cheio de pirulitos, sacando do bolso puído uma moeda-convite. A criança aceitava ir à casa dele para brincar de ser gente grande com outras crianças, ele nunca participava, apenas observava e mandava. Menina virava piranha e apontava o seu escolhido. Um namorado só por aquele dia, minha prima uma vez, depois de uma dessas festinhas, voltou para a casa chorando se sentindo vagabunda - e era mesmo, eu concordava. Menina esperta ia até lá, botava a moeda no bolso e no máximo permitia beijinhos em locais inocentes sem tirar a calcinha e nunca com as pernas abertas. Os garotos bonitos de olhos azuis sempre conseguiam algo mais. Os não tão bonitos, mas espertos o suficiente para encher os bolsos de pirulitos de uva roubados, também. Como eu disse anteriormente, era uma escolinha de piranha aquele cabaré infantil do velho nojento.



Ükma.